A nossa idéia inicial era usar as respostaspara escrever uma crônica sobre o personagem central e a sua relação com osnossos familiares. Entretanto, as respostas que recebemos foram tão interessantese expressivas, que cada uma delas em si é “a” crônica. Por isso, as integramosao nosso texto geral, reproduzindo as respostas do Márcio e do Cláudio, comalguns pequenos “retoques” sobre a linguagem de e-mail, mas sem prejudicar otom coloquial dos depoimentos. Na parte final, adicionaremos os textos da capae das letras mais interessantes do CD que ganhamos do Dr. Sócrates.
1.Nosso e-mail ao Márcio com cópia ao Cláudio (5/12/2011).
O dia de ontem foi uma apoteose ao Sócrates.Não sabemos precisamente quando, talvez em 2000, o Cláudio deu um show emRibeirão Preto. Vamos perguntar a ele. Ao voltar ele nos trouxe um discoCD cujo título é: "Sócrates, Buenoe Convidados". Na capa há uma foto do Sócrates sobre cujo rosto elededicou em tinta vermelha: "Lilliane José, que pena que não estão conosco aqui também. Sócrates." Semdata na dedicatória.
V. deve se lembrar que quando a sua VóManinha fraturou o fêmur (início de 1986) e foi internada em RibeirãoPreto, V. ligou para o Sócrates (com quem se encontrava no Fundão, onde ele fezum estágio de residência médica), pedindo-lhe que fizesse a ela uma visita. Elacontou depois à sua mãe que o famoso Dr. Sócrates a visitou pessoalmente nohospital e que foi muito gentil, tomando providências para que ela tivesse um atendimentoespecial. Ele conversou amigavelmente com ela. Confessando ser torcedora doSantos, para agradar ao filho, contou-lhe que o finado marido sempre foracorintiano, mas ela pediu ao Sócrates que voltasse a jogar na Seleção, poisachava que ele era o melhor jogador da época.
Tudo isso agora nos dá a idéia de relembrarfatos e datas e escrever uma crônica do que lembrarmos. E o CD está aquiconosco. Sempre que o Cláudio faz shows com colegas e amigos músicos que lançamCDs ele nos traz um, geralmente com dedicatórias: foram os casos de MarcosQuinan, Ruben Blades e este, do Sócrates.
Se V. tiver mais detalhes sobre o seu relacionamentocom o Sócrates na UFRJ e sobre o caso da Vó Maninha, favor mandar, para quepossamos escrever a projetada crônica. Vamos pedir ao Cláudio que complete aparte dele. Pelo que soubemos, eles se encontraram três vezes, ao longo demuitos anos de suas viagens profissionais.
2.Resposta do Márcio com cópia ao Cláudio (6/12/2011).
Bem, conheci o Sócrates assistindo aoCoringão, logicamente. E me identifiquei com ele por vários motivos: médicocomo eu, faixa etária semelhante e, "on top of that", jogador doCorinthians. Qual jogada dele foi a mais genial? Jogo em São Paulo, o Sócratesrecebe uma bola na intermediária adversária, e num toque só lança de calcanharpara o Palhinha, que se antecipa à zaga (que não esperava, claro), e faz o gol.Imprevisível, preciso, cirúrgico, econômico, minimalista,displicente-eficiente.
Depois que ele voltou da Itália, foi pedir umestágio no Hospital do Fundão, pra "pegar mão" de novo na medicina. Eficou por um ano estagiando em Clínica Geral. Era médico responsável por umaenfermaria de sete leitos no nono andar do hospital. E eu passava visita nospacientes naquela enfermaria. Foi assim que o conheci.
Era discreto, mas não dava pra não sernotado, é claro. As primeiras conversas foram sobre os pacientes queacompanhávamos juntos, mas num dado momento, falei que eupretendia ir pra Itália. Ele tinha chegado de lá havia pouco, e começou ame dar conselhos. Primeiro, me cumprimentava em italiano (eu mal falava buongiorno). Depois me deu várias dicas sobre a Itália. Uma das coisascuriosas que sempre lembro é ele ter comentado sobre os diferentes dialetos, eque o filho pequeno, que aprendeu a falar em Firenze, sua primeira línguaera um dialeto que ninguém em casa entendia.
Ainda do seu tempo no HU, todo ano tem umcampeonato de futebol das diferentes unidades da Universidade, que é jogado aossábados num campo da Praia Vermelha, antiga sede da UFRJ. Não precisacontar que a polícia passou a ser acionada todos os sábados, pra tentarorganizar a platéia que era muitas vezes maior que a capacidade daquelecampinho. E nem quem foi campeão aquele ano. O Doutor fazia uns 10 gols porpartida!
No início de 1986 houve o episódio da Vó Maninha.Ela tinha fraturado algum osso da perna, se não me engano, estava internada numhospital de Ribeirão, e eu liguei pro Sócrates (ele tinha me dado seustelefones) pra perguntar se ele conhecia alguém no hospital, se conhecia ohospital. Ele falou: "Marcião, deixa comigo. Te ligo depois". E umtempo depois ele ligou, falou que tinha ido ao hospital procurar por ela, queela estava muito bem, era muito simpática, disse que torcia pelo Santos, masque o Vô era corintiano e que não perderia esse encontro por nada, caso aindaestivesse por aqui.
Depois de um tempo tive notícia do Sócratesatravés do Cláudio, recebi também um disco com dedicatória. E depois, nosprogramas de TV - ele entrevistava gente de todos os segmentos dasociedade em um programa no Canal Brasil.
Mais recentemente, a notícia foi relativa àsaúde dele, as duas internações recentes, e já dava pra perceber que a situaçãoera bastante grave. E culminou com essa internação. E a ironia dele ter morridono dia do último jogo do campeonato, e ser enterrado na hora em que o jogocomeçou. Como disse o Juca Kfouri na CBN (vale a pena ouvir), é umacoincidência bonita. Bonita e triste.
3. E-maildo Cláudio ao Márcio, com cópia aos Pais (10/12/2011).
Belo depoimento: serve como uma crônica!
Engraçado que o futebol e o Sócrates estãorondando o meu dia, hoje.
Acabo de retornar do Portobello emMangaratiba, e lá conheci um empresário e jornalista dono de um portal denotícias bem interessante: o “Opinião e Notícia”. Disse que sempre apresenta umacoluna traduzida de um importante jornal inglês, jornal este que tem umobituário diferente, "de uma pessoa só por dia", para se prestaremhomenagens, puxar a história desse ou daquele que passou recentemente, ejustamente foi o Sócrates o escolhido da semana. Ele conta então essarepercussão através do portal acima citado.
Lá no Portobello, entre outras coisas, tambémestá acontecendo um encontro de artistas com jogadores de futebol, o chamado"Desafio das Estrelas". Que coincidência: Hoje, passando na saída docafé da manhã do hotel, abordei o Caio, aquele ex atacante do Santos e doFlamengo (dois dos times em que o Sócrates também jogou) e que agora viroucomentarista da Globo, então bati um papinho breve com ele.
E já que recebi esse e-mail, vou pormenorizaro meu depoimento sobre o Sócrates também.
Quando conheci o Sócrates pessoalmente, jácomeçou me chamando pelo aumentativo de Claudão. Acho que ele, por serconhecido por todos como Magrão, passou a usar o aumentativo como tratamentoque designa proximidade. Deve ser isso...
Mas, antes de bater papo com ele, a primeiravez que o vi de perto foi no México, em Guadalajara, com uma turma dejogadores, no pátio do hotel em que estávamos hospedados (nós, a turma deartistas que foram pra lá com o Circo Voador; a Seleção estava em outrohotel). Estavam lá o Sérgio Cabral, o cronista esportivo e produtormusical que também faz aniversário em junho, acho até que foi no dia mesmo, oNelson Mota, outros jornalistas da cultura e do esporte, os artistas da "troupe"e alguns jogadores que foram nos visitar, a convite do Perfeito Fortuna,"embaixador" daquela nossa ida ao México pra fazermos shows e,logicamente, assistirmos à Copa.
Acho que foi num dia de folga, depois dealgum jogo ainda da primeira fase. Notei que o Zico não estava na turma.Mais reservado, provavelmente resolveu ficar na concentração.
Mas, o Sócrates não. Puxava samba atrás desamba, ele e o Junior, os dois mais empolgados, todos com uma cervejinha namão. Acho que tinha um churrasquinho improvisado também. Mas não demorarammuito não. O pessoal da CBF deu certa "blindada" na galera e nãorolou muito papo, só música, o churrasco em si e foram-se embora. Nem deu tempode puxar nenhuma conversa; eles estavam numa Copa, embora todos de copos na mãono momento relax...
A outra vez que estive com ele (e essa comcerteza foi quando ele me deu aquele CD), eu tinha ido a Ribeirão fazer um showcom o “Boca Livre”, mais ou menos em 2000. O pessoal do “Boca” voltou pro hotelmais cedo e eu fiquei lá, já sabendo que era o "point" do Doutor.Queria conhecê-lo e comentar o caso da Vó, falar do Márcio, perguntar se ele selembrava, e dizer como foi importante pra ela aquela visita dele, a pedido domeu irmão.
Não demorou muito ele chegou e logo foi puxandoassunto comigo porque, disse ele, tinha muito tempo que gostaria de me conhecerpessoalmente e eu, enquanto ouvia aquilo, ficava sem entender porquê...
Pensei: - Ué? Será que ele guardou essahistória da Vó? Ou talvez pelo Márcio ser seu colega, talvez tivesse comentadoalguma coisa, que fosse meu irmão e tal...
Mas era por outro motivo, embora ele tenha medito depois, que se lembrava sim do Márcio e também da história da Vó Maninha.
Quando jogou no Flamengo, em 86, ele conheceua "figuraça" da Nana Caymmi, os dois ficaram amigos. E depois disso,me disse, ficou muito curioso em me conhecer e bater um papo comigo, porquesegundo ele "só um cara muito especial, além de meio doido, claro, praconviver com a Nana por quase três anos..." E aí foi uma risada só!
A gente engrenou na conversa com umascervejinhas e, quando eu ameaçava dizer que tinha que ir, ele arrematava com arde quem não vai se convencer do contrário: “Ô, Claudão, nada disso. Que embora,que nada! Vai tomar... Vamos conversar mais, que o papo tá muito bom, cê temalguma coisa pra fazer agora? Não, então... vamos ficar mais um pouco aqui”.
Entre outras curiosidades, conversamos sobrefutebol, e eu contei que o Pai nos levava ao campo do Guarani e que assistimosa uns bons jogos ao vivo, com aqueles craques do passado. Ele disse que achavao Zidane um ótimo jogador e que ninguém estava jogando melhor no mundo, etc...Falou de cinema, de música, tudo quanto era assunto.
...e tome papo!
Fui embora bem tarde pro hotel, mas valeu apena.
Na outra vez que estive em Ribeirão Preto,foi em 2004, acho que já tinha o CD em homenagem a Caymmi e eu fui para a Feirado Livro de lá, pra promover o disco. Rolaram muitos espetáculos teatrais emusicais, muitas palestras, livros vendendo a preços de editora, muita gente devários lugares, e lá estava o Doutor Sócrates, no meio da praça central doevento, embaixo de uma tenda, com um microfone na mão e um cinegrafista com umacâmera na mão. Ele estava pilotando um programa da TV local, de variedades, emque ele era o entrevistador. Eu, um dos entrevistados. Ele aproveitava acirculação de pessoas variadas para incrementar o programa dele. OPrograma era parte do projeto de uma fundação cultural e social da qual ele participavae era um dos mentores.
Ele, sempre naquele jeitão bem à vontade edeixando todos à vontade em volta. De uma simplicidade total. E sem papas nalíngua, até bem ácido nas críticas. E foi bom revê-lo.
Fui entrevistado junto com o Kleiton Ramil,aquele da dupla Kleiton e Kledir, que estava lançando um livro.
No intervalo da gravação, o Sócrates contouuma história incrível sobre uma visita meio forçada que ele teve que fazer aoMuhamar Kadafi, aquele da Líbia. O Kadafi o "convidou" para umencontro, segundo ele, político. O Sócrates, que estava fazendo não sei o quêna Líbia, aceitou ao "convite" meio por educação e meio porcuriosidade e teve que sair do hotel umas 4 da manhã. Hora segura, discreta.Num determinado momento da viagem de carro pelo deserto, ele foi vendado, parasegurança do paradeiro ou "bunker" do ditador.
Disse que o cara tinha uma conversinha beminsistente e envolvente (tudo com tradução simultânea) e tentou convencê-lo ase candidatar à Presidência do Brasil, sendo que os petrodólares do Kadafibancariam toda a sua campanha. Sócrates tentava dizer que nunca seria candidatoa nada, porque a visão de política dele já estava sendo praticada no dia a diae tal, mas o cara não se convencia. Foi um sufoco a conversa, mas ele se safoude mais uma "marcação dura" e tudo ficou por isso mesmo.
Depois de todo esse acontecido, me lembreique a última vez que vi o Gonzaguinha, foi num programa de rádio que ele tinha,e ele lá me entrevistou. Meses depois, fiquei sabendo da sua morte.
Coincidência ou não, e por precaução, estouseriamente inclinado a não dar mais entrevistas a pessoas próximas ou colegasde profissão ou amigos e afins, que não sejam jornalistas de profissão e já nãotenham uma carreira de entrevistadores.
Vai que o cara morre depois...
4. NecrológioBritânico do Sócrates Brasileiro (acessado no portal indicado pelo Cláudio).
O Adeus do Filósofodos Gramados
Sócrates defendeu umBrasil livre da corrupção e contestando a política do país antes, durante edepois de sua carreira no futebol. (10/12/2011) Ofato de ambos se chamarem Sócrates não era a única ligação entre eles, já que,assim como o filósofo grego, o Sócrates nascido na umidade amazônica de Belémdo Pará também era um intelectual. Num esporte em que os cérebros da maioriados jogadores estão nas chuteiras, ele falava sobre Van Gogh e a história deCuba, era médico, e se importava com a democracia. Numa carreira que incluiuquase 300 jogos por seu principal clube, o Corinthians, e 60 partidas pelaseleção brasileira, ele entrava em campo como um homem racional, observando ojogo de maneira matemática e aplicando toques de genialidade.
Seesse amor pela sabedoria estava na água de seu batismo ou se ele se desenvolveuna biblioteca montada por seu pai autodidata (que também teve outros doisfilhos, chamados Sófocles e Sóstenes), ninguém sabe. Ele mesmo costumavaafirmar que seus ídolos de infância haviam sido Fidel castro, Che Guevara eJohn Lennon. Ainda assim, seu livro, AFilosofia do Futebol encerrava com uma máxima que teria agradado aseu xará: “A beleza vem primeiro. Depois vem a vitória. O importante é aalegria”.
Elenão disse isso à toa. Embora o Brasil tenha vencido a Copa do Mundo cincovezes, Sócrates nunca fez parte de uma seleção campeã, mas, por outro lado, aconcentração e a disciplina necessária para levantar a taça nunca o agradaram.Nas arquibancadas, o público via a beleza cada vez que ele jogava, com seutrotar elegante pelo campo, e suas acelerações, seus refinados toques decalcanhar, e seus longos passes do meio de campo. Existem poucos exemplos dejogo bonito melhores que o duelo entre Brasil e Itália na Copa de 1982, quandoele era o capitão da seleção, e marcou um belo gol, quase ofuscando o fato deque o Brasil fora derrotado e estava fora da Copa.
Um contestador dechuteiras
Aindaassim, o Doutor Sócrates, como era conhecido pela torcida, nunca colocou ofutebol em primeiro lugar na vida. No início de carreira, ele faltava aostreinos quando eles coincidiam com seus estudos médicos. Num país que come,bebe e respira futebol, ele insistia que o mais importante era erradicar apobreza, construir rodovias e escolas, e ensinar boas maneiras. Seu xaráchamaria isso de uma busca por uma vida virtuosa. Ele dizia que isso era “darprioridade ao ser humano”. A melhor coisa a respeito do futebol, disse ele,eram as pessoas comuns que ele conheceu – incluindo os membros do time amadorde Garforth, uma cidade inglesa, próxima a Leeds, que Sócrates treinou por ummês em 2004.
Eletambém defendia o homem comum. Como o primeiro Sócrates, ele também se via comoum contestador dos tirânicos, preguiçosos e auto-indulgentes. Ele nãoconcordava com a maneira na qual o Corinthians era controlado, com gerentestratando jogadores como crianças, e organizou um sistema no qual todos noclube, do gandula ao presidente, votariam para determinar a duração dos treinose dos almoços – esperando, sem dúvida, uma maior flexibilidade no que diziarespeito a festa, fumo e cerveja, que ele considerava essenciais para sualiberdade de jogo. “Sou um anti-atleta”, explicou ele. “Você tem que me aceitarcomo eu sou”.
Eletambém não gostava da maneira como o Brasil era comandado, com o domínio dosgenerais após um golpe em 1964, e defendeu eleições livres, comandando umCorinthians que jogou com “Democracia” escrita nos uniformes do time, epartindo, em 1984, quando o governo não aprovou as leis necessárias, para jogarna Fiorentina. Se isso eram subversão e “corrupção da juventude”, ele celebravasua perigosa influência. E não desistiu: Lula foi bom, disse ele, mas mereciaapenas uma nota sete pela maneira como comandou o país. Para Sócrates, apenas acompleta revolução, ao estilo de Fidel, seria merecedora de uma nota 10.
Aposentado do futebol, ele continuou a semanifestar contra a corrupção desenfreada no esporte. Exigiu eleições livrespara a presidência da CBF e sugeriu o nome de Zico para o cargo. Começou aescrever um romance, ambientado durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, noqual o dinheiro público estava novamente desaparecendo em bolsos privados, eelefantes brancos estavam sendo erguidos por todo o país. Sócrates nãoenxergava mudanças. O seu próprio Corinthians, que sobrevivera a temposdifíceis, agora nadava em dinheiro, mas ele preferia slogans políticos ao invésde dezenas de patrocinadores nos uniformes. E certamente gostaria de ter vistouma vitória criativa no lugar do horroroso jogo que deu o título de 2011 aoCorinthians, horas depois de sua morte.
Ele também morreu jovem, após um jantar comamigos, que seu fígado enfraquecido não pôde suportar. Como médico eex-meio-campista, Sócrates sabia que deveria abrir mão de suas cachaças, e deseus “simpósios”, discussões ideológicas regadas a discussões, fumaça e álcool.Como filósofo, ele assinou sua sentença de morte com sua habitual sabedoria eserenidade.
5. Revisitandoo CD “Sócrates, Bueno e Companheiros” (5/12/2011).
A CAPA:(Texto escrito por Sócrates).
POR QUÊ?
Máximaexpressão de nossa sensibilidade, a música é o meio mais eficaz de discutirmosa realidade que nos envolve. Provocando, argüindo, questionando, denunciando,seja de que forma seja, ela nos torna escravos de sua firmeza, sua grandeza ebeleza. Este projeto tem muito de tudo que já vivi, exaltando as várias formasde sentir, de gritar ou chorar. Quando escrevo que gostaria de poder restaurara beleza que existe na alma de nossa miséria, quando afirmo que a dor dodesamor é quase que morrer, quando insisto que a paixão é a mola propulsora dafelicidade, quero dizer que estamos vivos, lutando por tudo que nos é dedireito. Quando homenageio os pais presentes e ausentes, digo que suashistórias provocaram o crescimento de uma nação, ainda jovem, que todos nósqueremos ajudar a amadurecer, mesmo que nossas bocas sorridentes estejamsangrando. A visão do amor que todos procuramos incessantemente representa aesperança de que o belo, enfim, um dia nos atinja em cheio e nos impeça deencontrarmos a expressão mais depressiva de nossa existência. Sei que muitobusco e não me faltam meios para continuar a luta. Se as pernas não mais mepermitem amplificar minha voz, porque então não utilizar a própria voz paraexpressar-me. Teria que encontrar outros meios de dizer minha indignação com oprocesso sócio-cultural vigente que privilegia a dor material menosprezando ariqueza sensitiva que permite definir-mo-nos como humanos, e creio que o encontrocom esta paixão juvenil pôde me devolver a chama que incendeia minha almairrequieta. Pintando o lar que me acolhe, valorizo a todos que me cercam, atodos que me amam, a todos que se embelezam para tornar a convivência entrevizinhos, alguma coisa mais perto do ético e do digno. Sei que este é um sonhode amor, que enche o meu peito de beleza, mas também de dor. A tristeza que insiste em aparecer no livroda vida, deveria ser colocada na orelha deste mesmo livro, para que raramentepudéssemos visitá-la. Espero sinceramente que possamos trazer à tona nossasmais guardadas lágrimas, que possamos fazer nossa mente voltar a sonhar e quenunca deixemos de nos indignar com a fome e desnutrição, com a guerra e aopressão, com o racismo e outras formas de violência. Que a alegria do retornoaos nossos melhores tempos possa injetar mais justiça à nossa eterna alegria.Que o orgulho de nos sentirmos privilegiados ao surgirmos aqui, nesta terraabençoada, não nos traia jamais, gerando sentimentos cada vez mais nobres ehonestos. Que nossas crianças voltem a brincar e pintar nossas ruas e parques eque sempre possam ser acolhidas em colo materno. Que a arte, a alegria e aliberdade, representada pela união de cores e raças diferentes possamconsolidar esta nação e que possamos definitivamente dizer para o mundo ouvir:”seja onde for, para sempre o meu grandeamor”, pátria minha. E seja como for, Baião, Bolero ou Toada; Samba canção,de breque ou de enredo, nas modas e nos modos, todos queremos nos sentir cada vezmais partícipes deste mundo que devemos ainda construir. Este é um projeto devida e de sonhos, que cada um de nós insiste em criar, e a criaçãodefinitivamente é nossa companheira e vocação na estrada nem sempre iluminadaque devemos seguir. E com orgulho recebi pessoas queridas que compartilhamcomigo estas questões. Toquinho, Carlinhos Vergueiro, Simone Guimarães, Marceloe Maurício, meus manos Sóstenes e Raí e meu grande parceiro e amigo Bueno vivemao meu lado este lindo e inesquecível sonho de amor.
Embora o disco mencione que todas as músicassão de autoria de Sócrates e Bueno, o texto acima é de evidente autoria deSócrates e mostra toda a sua filosofia de vida, que engrandece a sua brevepassagem por este mundo. Mostramos no texto (negrito nosso) a frase que ele destacou,da letra da faixa 07 do CD, dedicada ao Corinthians e estendida à “pátriaminha”.
A seguir, reproduzimos as letras das duasfaixas que julgamos as mais expressivas do CD, no que concerne a duas dasmaiores paixões da vida do Sócrates Brasileiro: o Corinthians e a família:
FESTACORINTHIANA
Escuridão iluminada
No sonho de um eternocampeãoA fiel se abraçava
Amor, reunindo amultidão!
Quando a redebalançou
Gooooool
Esqueci a solidão.
Corinthians é tantapaixão
Sorriso do meucoração
Corinthians seja ondefor
Pra sempre meu grandeamor.
Já raiou a liberdade
Negro e brancoconstruindo uma nação
Com as mãosentrelaçadas
A fé na mais pura expressão
E quando a redebalançou
Gooooool
Liberei a emoção.
Corinthians é tantapaixão
Sorriso no meucoração
Corinthians seja ondefor
Pra sempre o meu grande amor.
SEUVIEIRA E DONA GUIOMAR
Lá do Norte elesvieram
Fincar raiz por aquiDe lá trouxeramSócrates
Aqui terminou comRaí.
Começou com nomegrego
Como Sófocles e Tenes
Vieirinha na bagagem
Aqui ficaram de vez.
Ribeirão os acolheu
E depois veio Raimar
Cujo nome é a soma
De Raimundo eGuiomar.
Parabéns Seu Vieira
Parabéns Dona Guiomar
Nosso céu encheu deestrelas
Todas elas a brilhar.
E aqui terminamos esta crônica de homenagem aum dos maiores vultos da nossa história esportiva, cujo brilho extrapolou osgramados e se espalhou por todos os setores da verdadeira cidadania brasileira,como o seu enorme nome próprio: SócratesBrasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira!
Nova Friburgo, 14 de dezembro de 2011.
LílliamLeone Moore Nucci
JoséFelício Silva Nucci.
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