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A
tragédia começou no ano passado, quando o diretor da Biblioteca Nacional de
Brasília, Antonio Miranda, precisou desconvidar os convidados para a 2ª Bienal
Internacional de Poesia (BIP). Ontem, Miranda foi à casa de Ferreira Gullar, em
Copacabana (Rio de Janeiro), para a segunda leva do desastre: a bienal que
havia sido transferida para a segunda semana de setembro foi novamente
cancelada. A Secretaria de Cultura não liberou o orçamento de R$ 1,5 milhão
para a realização do evento.
Desta vez a desculpa é o investimento em um projeto maior, o Plano do Distrito
Federal do Livro e da Leitura, lançado há duas semanas na mesma biblioteca que
receberia a bienal. “O que ocorre é que houve atrasos na produção dos processos
e falta de orçamento. Acabamos tendo que priorizar e, como vamos fazer um
investimento significativo no plano do livro e da leitura no ano que vem,
tivemos que optar”, justifica Hamilton Pereira, secretário de Cultura.
O cancelamento é contraditório no ano em que o Governo do Distrito Federal pretende
implantar uma política do livro para a região sob o slogan de “Brasília,
capital da leitura”. A segunda edição da bienal contou com quase três anos para
ser preparada e já tinha lista de mais de 60 convidados. O próprio Antonio
Miranda mandou carta pessoal para cancelar os convites. “É deprimente. E a
gente não sabe nem por que foi cancelada. Apesar do tumulto na política no ano
passado, o planejamento poderia ter sido feito. É uma pá de cal sobre o evento.
Acho que não faz sentido marcar outro”, lamenta Alexandre Marinho, um dos
desconvidados.
Apesar dos três anos de suposto planejamento, a organização da BIP não
desenvolveu estratégias para contornar a falta de recursos. “Não conseguimos
captar”, alega Miranda. “Estava todo mundo convidado, mas no último momento não
soltaram o dinheiro.” Realizada em 2008, a 1ª Bienal Internacional de Poesia
também correu risco de não acontecer. A poeta Angélica Torres Lima, que
participou da organização da primeira edição do evento, lembra que a salvação
veio de um financiamento da Petrobras. “Foi uma coisa heroica, mas conseguimos,
sem dinheiro, com poucos recursos.”
A 2ª BIP estava entre os eventos prometidos por Hamilton Pereira no início da
gestão. O secretário também anunciou, no ano passado, a intenção de fazer uma
Bienal do Livro. “Essa está mantida para abril”, garante. “Mas é preciso
entender que não estou cancelando uma política, estou cancelando um evento. É
preciso fazer escolhas.”
Para o poeta Nicolas Behr, a escolha não surpreende. “Não foi falta de
dinheiro. Não quiseram é gastar o dinheiro que tinham. O Estado acha que
cultura é espetáculo. Dinheiro para show na Esplanada tem, e muito mais que R$
1,5 milhão. Acho que tem que ter os dois, mas poesia não tem repercussão,
né?!”. O escritor Ronaldo Cagiano, que viveu em Brasília durante 28 anos e hoje
está radicado no Rio, acompanhou a organização da primeira bienal e não entende
como um evento planejado durante dois anos morre na praia. “Depois de mais de
dois anos de preparação, dedicação e mergulho nesse projeto, tendo sido
construída uma pauta de eventos e discussões, confirmadas presenças de
escritores nacionais e estrangeiros, vemos o trabalho do escritor Antônio
Miranda e sua equipe esvair-se pelo ralo, por culpa e obra da
irresponsabilidade, da insensibilidade e da alienação do senhor secretário de
Cultura”, escreveu Cagiano, em carta de indignação enviada a poetas e
escritores de Brasília.
A feira
Sem Bienal de Poesia, só resta a Feira do Livro, programada para novembro e
ainda uma incógnita. A três meses do evento, a Câmara do Livro do Distrito
Federal não conta com repasse de verbas públicas e está em busca de
patrocinadores. Também não há nomes confirmados entre os convidados, embora
esse tipo de acerto costume ser feito com muitos meses de antecedência, caso se
queira a presença de autores célebres, cujas agendas são apertadas. Íris
Borges, curadora do evento, garante que a feira não depende do dinheiro das
secretarias de Cultura e Educação, que normalmente contribuem para o orçamento.
“Ela tem condições de acontecer. Mas queremos sim o apoio e a presença do
governo, mesmo não tendo repasse de recursos.”
Alguns estandes já foram vendidos para os livreiros da cidade, mas a Câmara
ainda não decidiu quem será o escritor homenageado, tradicionalmente
responsável pela abertura do evento. “Não queremos alardear quem vem ou não
para não passar por uma situação como essa (da BIP)”, explica Íris. A 30ª edição
da feira ocorrerá no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade com orçamento
de R$ 2 milhões. A edição de 2010 correu o risco de não acontecer. Realizada às
pressas, não conseguiu montar programação expressiva e contou principalmente
com livreiros do mercado de livros técnicos. Houve pouca literatura na 29ª
Feira do Livro. Um evento pífio para as dimensões de Brasília.
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