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"Mulher, negra, jornalista, poeta e CARIOCA!". Foi no apartamento de outra jornalista-poeta, Guta Campos, num dos muitos saraus que esta promovia, que ouvi, à guisa de apresentação, a frase acima, da boca da própria Lucia Helena Corrêa. Lucia sem acento e Corrêa com circunflexo e sem "i", como gosta de dizer a própria Lucia, a mulher-sigla (LHC - não confundir com FHC!). Achei o tom um tanto carregado nas tintas, e não me caiu bem aquele "carioca" como qualidade; ainda não conhecia bem a dona da voz e seu enérgico (mas também afável) temperamento. Feita a apresentação, abriu seu vozeirão e cantou (à capela) uma canção de sua autoria, Cebola Crua, aliás, um poema seu por ela mesma musicado, poema este que também emprestou título a seu livro de poesia, com o qual, naquela noite, fui por ela presenteado. Melhor dizendo, Kana foi. Por falar em Kana e Cebola Crua, esta também musicou um poema desse livro, Negritude, uma bela canção que não vingou, como tantas outras que residem nos vários baús de canções órfãs.
Mas estamos falando de LHC, que, como vocês já puderam perceber, também acumula as qualidades de cantora e compositora. A bem da verdade, letrista. Não, não... LHC é uma poeta, e com P maiúsculo! Se se tornou letrista foi por descobrir-se cantora, gostar do ofício e ter o que dizer. Dessa forma, deixou alguns de seus belos poemas a cargo de melodistas de grosso quilate (calibre), como Marcio Policastro, Tato Fischer, Waldir da Fonseca, entre outros, pra que estes transformassem seus versos em canção. Mas isso porque ela teve a felicidade de ir ao Caiubi e lá encontrar os parceiros certos, que entenderam seus versos de métrica rebelde e souberam extrair deles, de forma crível, canções. Falando em canções, LHC é voz a serviço da nova geração de compositores. Só lhes (nos) pede licença pra de vez em quando se dar o prazer de fazer shows cantando exclusivamente Cartola, que, convenhamos, tem tudo a ver com ela. Acho mesmo que já passou da hora de um Hermínio Bello de Carvalho da vida descobri-la (assim como a seu Affonso Moraes).
Isso de mulher-sigla vem a cair-lhe como luva, pois LHC exerce com maiúsculo seus muitos ofícios. Nem vou falar da jornalista premiada, de alta quilometragem, pois este espaço se destina a música (estou me repetindo, acho que já falei isso a respeito de Zé Edu Camargo), mas a cantora temporã que se descobriu, de voz potente e alto teor interpretativo, é digna de caixa alta. Por falar em caixa alta, lembrei-me de uma canção de Sérgio Sampaio na qual ele dizia algo que ilustra bem LHC: "Como é maiúsculo/ O artista e a sua canção/ Relação entre Deus e o músculo/ Que faz poderosa a sua criação/ Pensando bem/ É um mistério/ Como é misterioso o coração". É assim que se dá com ela. As canções que lhe caem em mãos, ou melhor, na voz (ou, melhor ainda, no coração, pois pra chegar na voz tem que passar por ele), ficam irreparavelmente "contaminadas" (ou seria "purificadas"?) por seu estilo, passando a pertencer mais a ela que a seus autores, qualidade que poucas possuem (como Elis). Só pra se ter uma ideia, mandei-lhe, há alguns anos, uma meia dúzia de canções de minha lavra, e ela se enrabichou por Esse, parceria minha com Élio Camalle, de minha fase de eus líricos femininos. Calhou que certa noite, no velho Caiubi da rua Caiubi, ela inventou de cantá-la, acompanhada por seu (palavras suas) braço direito musical, o belo violonista Bráu Mendonça, no exato instante em que adentrava o recinto ninguém menos que Camalle. Este, intérprete espetacular moldado nas noites paulistanas, que não se sensibiliza com pouca bossa, só faltou cair estatelado no precário piso de taco, como que atingido por um raio, ao reconhecer sua canção desconstruída e reconstruída pela dona da voz. E ao prolixo Camalle só lhe restou soltar um palavrão impublicável que se referia àquelas mulheres de nobre profissão e a seus respectivos rebentos.
Se há uma pessoa que nasceu em dia acertado, essa pessoa é LHC. 1º de maio, Dia do Trabalho, é-lhe modelito feito por fino alfaiate. A mulher é o próprio trabalho de saias. Ou melhor, de vestido. É daquelas que querem abraçar o mundo. Se mete em mil projetos ao mesmo tempo, com uma fome de leão e uma fé de Jó (não confundir com Jô). Como boa sonhadora, já viu muitos deles irem por água abaixo, mas, incansável, nem se abala. Apaixonada por natureza, como boa poeta, não se limita a apaixonar-se apenas por um indivíduo qualquer, apaixona-se por tudo em que se mete e tem amor verdadeiro e zeloso pelos amigos, de quem compra as brigas. Mal conheceu, por exemplo, Marcela Viciano, minha parceira argentina de passagem por Sampa, instalou-a em seu apartamento e elevou-a à condição de irmã. E assim vem, durante os anos, aumentando o número de seus familiares.
É assim LHC. Sem meias palavras, sem meio amor, sem meio prazer, sem meia dor. É intensa em tudo o que faz. Sem papas na língua, igualmente colecionou alguns desafetos; mas a discussão, quando não sai do âmbito das ideias, oferece-lhe jogo delicioso, pois além das demais qualidades, ela tem talento nato pra esgrima verbal. Lembro-me de ter acompanhado na M-Música (grupo virtual que trata de música, obviamente - já comentei sobre ele em textos anteriores) duelos épicos entre ela e Zé Rodrix, de quem era amiga, mas com quem tinha visíveis diferenças. Mas sempre foram discussões de nível. Dava gosto ler. Agora LHC começou mais uma batalha, esta, desigual, dessa vez contra a Enfermidade (também com maiúsculo). E, nos intervalos de tão desgastante luta contra tão baixo adversário, ainda encontra forças pra gravar seu tão sonhado (e adiado) disco. Mas, teimosa como boa taurina que é, isso lhe dá forças. Não existe LHC sem luta. E, como um Cassius Clay, vai transformando as porradas em poesia, até o último assalto, mesmo contra o maior dos assaltantes.
Parabéns, Lucia! Desejo-lhe que a vida lhe propicie lutar ainda muitas e muitas batalhas, pois sei que é delas que você se alimenta!
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Ouça alguns dos desejos ardentes de Lucia aqui.
Leia as letras aqui.
Lucia também está no Caiubi.
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